De acordo com levantamento realizado pela startup de pesquisas Pulse com 84 empresas e mais de 7 mil profissionais, os diretores executivos estão se sentindo mais sobrecarregados, estressados e com dificuldade para equilibrar lazer e trabalho: 56,3% destacaram que a carga de trabalho está alta – no caso dos não gestores, esse nível despenca para 25,6%. “O líder sabe que quanto mais cresce na carreira, maior são as responsabilidades e demandas, ou seja, as pressões não diminuirão, mas cabe a ele agir para que o caminho seja mais equilibrado e menos estressante”, explica Uranio Bonoldi, consultor em planejamento estratégico e governança corporativa.
Mas a busca pelo equilíbrio entre trabalho e descanso, empresa e família, dedicação e relaxamento não é das mais simples. Uma parte fundamental dessa busca é saber quando descansar. Com as tecnologias que existem hoje, acaba sendo cada vez mais difícil sair do trabalho – smartphones, tablets e notebooks acabam fazendo com que o gestor fique em constante estado de prontidão, sempre alerta para responder demandas – “por isso, é importante delimitar um horário para se desligar, nem que seja por apenas quatro ou três horas. O tempo para a higiene mental, para cuidar de si próprio, fazer algo que não seja relacionado ao trabalho deve entrar na rotina”, comenta o especialista. Confira a entrevista realizada com o especialista sobre o assunto:
Uma mulher com filhos, por exemplo, não consegue destinar muitas horas para o lazer, o que pode influenciar negativamente no trabalho e no sono. Um jovem que estuda e trabalha, muitas vezes não consegue encaixar exercícios na rotina. De que forma as pessoas sobrecarregadas com as obrigações podem planejar e ter energia para outras atividades?
Posso dizer que a resposta está na pergunta. O grande segredo está em planejar e ter disciplina. É muito importante que a pessoa se planeje, dividindo o número de horas que se dedica ao trabalho, às atividades domésticas e ao lazer. Fazendo isso, a pessoa verá que tem algum tempo para cuidar de si e não é pouco. O importante é equilibrar nosso dia a dia. É o que chamo de 8, 8, 8. Ou seja, procure destinar 8 horas ao trabalho, 8 horas para ir e vir do trabalho, ao lazer, – que pode incluir leituras, exercícios físicos, estar com a família (filhos), e 8 horas de sono. Claro, dependendo do cargo, esta relação pode mudar, por exemplo, 11, 6 e 7, respectivamente. Sem problemas, mas o importante é saber que precisamos e devemos ter o planejamento. A rotina estabelecida e a disciplina de equilibrar nossas atividades diárias ou semanais permite sua execução. Importante notar que fazendo exercícios físicos, se dedicando ao lazer, a pessoa passa a ter muito mais energia para todo tipo de atividade. Portanto, o segredo está no planejamento do dia, semana e mês.
Usar o celular pessoal para contatos do trabalho, estando conectado à todo momento, pode parecer uma forma mais prática de se comunicar com todos. Isso afeta a saúde mental de alguma forma?
Sim, afeta. À medida que se faz uso do celular para assistir vídeos, interagir com grupos que não acrescentam ao nosso conhecimento, desenvolvimento ou diversão, em momentos de descontração, podem, por exemplo, estar sugando tempo que poderia estar sendo usado, de forma disciplinada para atividades como exercícios físicos, uma boa leitura, estar em conexão com a sua família, – repito, conexão e não contato. Conexão é estarmos presentes, ouvindo, interagindo e participando de bons momentos, – seja no trabalho ou fora dele. Portanto, usar o aparelho para a boa comunicação, de forma prática e eficiente, está perfeito. Porém, usá-lo de forma equivocada, irá “dragar” o tempo que poderia estar sendo usado para proporcionar o equilíbrio emocional do profissional. Lembremos que podemos fazer uma aula de algum tipo de atividade física intensa em 35 a 40 minutos, assim como podemos ler alguns capítulos de um livro, estudar alguma matéria, assistir a um capítulo de algum seriado, estar com a família e assim por diante.
A gente soube através da pesquisa realizada pela Pulse, que estamos passando por uma severa sobrecarga na diretoria de algumas empresas. Com o aumento de pressão por inovação e a crise levantada em consequência da pandemia da COVID-19. Esses quase dois anos que se passaram, podem ter sido a principal determinante para a situação que estamos?
De certa forma sim. Pessoas em cargos de liderança foram chamadas por maior responsabilidade em proporcionar resultados num ambiente de negócios hostil e isso pede criatividade e inovação. Ao mesmo tempo, também foram chamadas para manter sua equipe motivada, engajada e saudável física e psicologicamente. Estes fatores trouxeram desafios importantes para a liderança em desenvolverem ou aprimorarem soft skills ao limite. Esta combinação de maior peso nas responsabilidades demandas e tendo que ser exercitadas à distância, trouxe essa sobrecarga aos líderes em grande parte das organizações.
Como e quando você prevê que poderá ocorrer uma estabilização do mercado de trabalho, e com qual gradatividade isso ocorrerá?
Difícil prever pois há dois claros movimentos em curso. A Pandemia nos trouxe uma nova relação de trabalho que, provavelmente, irá desaguar num sistema híbrido, sempre que a atividade assim o permitir. Por outro lado, o mundo muda a velocidade estonteante e, portanto, vejo as carreiras sendo construídas fora das empresas. O profissional construirá sua carreira por si e não dependente da empresa. A relação que vemos ainda hoje nas empresas dificilmente veremos em um futuro breve. A inteligência artificial (IA), machine learning, irá ocupar as atividades e processos que sugerem trabalho repetitivo e que já foi aprendido. Portanto, o profissional do futuro terá de ser criativo, inovador, disruptivo. Onde isso irá acabar? Não sabemos. Por isso, entendo que cada vez mais, temos de nos conhecer muito bem, saber do que gostamos ou do que temos mais afinidade e prazer em desempenhar e desenvolver nossas habilidades. Portanto, falar em estabilização me parece quase fora de questão em um mundo dinâmico como o que estamos vivendo.
Na sua opinião, quais são as principais características de um verdadeiro líder que seja capaz de trazer sucesso para a sua marca ou a si mesmo? Temos muitos exemplos natos nos dias de hoje?
Em primeiro lugar, para mim, o fator de sucesso começa pelo exercício do autoconhecimento. Ele dará a possibilidade do líder se identificar com aquilo que gosta, que lhe dá prazer e, portanto, lhe dará a possibilidade de ser inovador naquilo que ama fazer. O outro lado positivo do autoconhecimento é que ele proporciona reconhecer melhor seu interlocutor. Permite identificar nas outras pessoas capacidades que podem ser exploradas, como melhor tratá-las e tirar o melhor de sua equipe. A partir do autoconhecimento um líder pode se desenvolver naquilo que é fraco e fortalecer competências no que ele já é bom. Características de um bom líder passam por ser empático, criativo, ser resiliente, adaptativo e criativo, alta capacidade de decidir e influenciar as pessoas (inspirar) para que as coisas sejam feitas (capacidade de engajar), – o que prevê um ser confiável. Quanto a exemplos de líderes natos, temos muitos ao redor do globo, e entendo que a grande qualidade desses líderes foi a capacidade de inspirar as pessoas. Podemos citar entre inúmeros exemplos, nos negócios, – Luiza Trajano, Abílio Diniz, Bill Gates, Steve Jobs, Jack Welsh, como político, Nelson Mandela, religioso, Mahatma Gandhi.
De acordo com um depoimento que você deu, foi comentado o assunto da higiene mental. Sabendo-se que nos dias de hoje, a psicologia tem sido cada vez mais comprovada em questões de eficácia e condições de bem estar. As sessões de terapia tem sido uma boa opção de procura para os empresários que desejem se ajustar profissionalmente consigam se conectar aos seus caminhos?
Sem dúvida nenhuma. A terapia ajuda os líderes, sejam eles executivos ou empresários a dividir suas dúvidas, seus medos, angústias e a se reencontrar. Importante destacar que a terapia proporciona a capacidade desse ajuste, dessa conexão com novos caminhos, sem arroubos ou impulsos emocionais que podem ser muito prejudiciais ao profissional. Muitos de nós fomos levados a ser o que somos por obrigações que a vida nos exigiu. A partir de um momento, o que fazemos, pode não fazer mais sentido e sessões de terapia nos ajudam e nos permitem a esse reencontro com a verdadeira essência, com aquilo que gostamos e que faz sentido ser vivido.
Trabalhando por mais de 30 anos em cargos de alta gestão, como você encara as mudanças nas rotinas de quando você iniciou sua carreira, para como ela tem crescido nos dias atuais?
Como falei anteriormente, o mundo tem mudado a velocidades estonteantes. Portanto, as rotinas e relações de trabalho desde quando comecei para hoje mudaram muito. Porém, a capacidade de adaptação do homem também é muito rápida. Daí a importância que dei, dentre várias, à capacidade de sermos resilientes, adaptativos e criativos. Estas habilidades nos permitirão estar sempre aprendendo e nos adaptando e, é claro, daí a importância do autoconhecimento e buscar aderir ao máximo sua carreira àquilo que você gosta de fazer, aquilo que te faz sentido e lhe traz alegria ao executar e realizar.
Qual foi o momento da sua carreira que você se sentiu sobrecarregado e viu que devia fazer mudanças? Como se deu essas mudanças?
Eu me senti sobrecarregado em vários momentos da minha carreira, mas acredito que porque gostava do que fazia, eu consegui atravessar esses momentos com boa resiliência. A necessidade de mudança surgiu a partir do momento em que percebi que poderia contribuir mais com o que havia aprendido, – ensinando, transmitindo conhecimento, do que executando. A partir daí passei a fazer cursos para Conselheiro de Administração, a estudar processos de escolha e tomada de decisão e acabei desenvolvendo uma metodologia que permitiu a publicação de um livro que será lançado pela Alta Books no primeiro trimestre de 2022, – Decisões de Alto Impacto, – Como decidir com mais consciência e segurança na carreira e nos negócios.
Também fizeram parte: Luca Moreira , Andrezza Barros