Ana Paula Yazbek fala da situação atual da alfabetização no Brasil

Atualmente, o Brasil ainda possui um grande índice de pessoas analfabetas, porém, alguns estão começando a desejar dar continuidade ou iniciar suas trajetórias de alfabetização e de ensino. Por mais que esse desejo seja possível e que não aja tempo certo para se aprender, um dos principais problemas para isso está na falta de incentivo, na desigualdade social e nas iniciativas do governo.

Em poucos dias antes das eleições e em uma realidade onde a alternativa do trabalho infantil está sendo aceita erroneamente como uma alternativa para a educação, principalmente pela necessidade de que as crianças contribuam precocemente nas rendas familiares, nossa coluna buscou entrevistar a professora Ana Paula Yazbek – diretora pedagógica do Espaço Ekoa, em São Paulo. Sua experiência está amplamente ligada aos anos iniciais, especialmente nos três primeiros anos de ensino.

Durante a entrevista, a professora falou um pouco mais do déficit que a alfabetização tem passado no Brasil e as esperanças e pontos que deveremos ficar atentos com os próximos rumos do governo. Confira a entrevista!

Apesar de sua importância, infelizmente o nosso país ainda possui um alto índice de analfabetos que só conseguem concluir essa etapa do ensino já na fase adulta. Ao que se deve esse déficit?

São muitos os fatores que contribuem para que a taxa de analfabetismo seja alta em nosso país. Dentre eles, podemos destacar a desigualdade social, que afasta desde muito cedo as crianças da escola. Para muitas famílias de baixa renda, manter as crianças na escola implica em grande investimento, que vai desde o deslocamento às escolas, até a impossibilidade de frequência constante.

Devemos ter claro, que infelizmente, o trabalho infantil é uma realidade em nosso país e que as crianças contribuem com rendimentos em suas famílias ao realizarem sub serviços, por exemplo. Além disso, as escolas partem de uma lógica exclusora, beneficiando aqueles/as que correspondem aos saberes ditos necessários e desvalorizando quem apresenta dificuldades. Faltam principalmente políticas públicas que viabilizem a continuidade das crianças no ambiente escolar e que se comprometam com suas aprendizagens.

Devido à negligência e falta de incentivo provocado pelo governo, muitas pessoas acabam nem sequer conseguindo iniciar seus processos de formação. Você como educadora enxerga essa procura, ainda na fase adulta, como uma vitória para a educação?

Considero que a Educação é fundamental para o crescimento de nosso país e um patrimônio imprescindível a todos/as cidadãos/ãs, com isso, a Educação de Jovens e Adultos têm um grande valor de reparação. Muito mais do que uma vitória é uma forma de recuperar algumas perdas. A continuidade/retomada dos estudos na vida adulta ainda parte da lógica e disponibilidade individual, faltam políticas de investimento massivas que incentivem o retorno ao percurso educativo da população adulta. Se houvesse isso, teríamos, aí, uma grande vitória em termos educacionais.

Uma das queixas que temos visto é a questão da atenção que os professores concedem aos seus alunos tentando atender individualmente as necessidades de cada um, porém, no ensino multietário, temos a reunião de crianças de diferentes idades. Como fica essa situação em relação ao atendimento das necessidades educacionais?

A escola caracteriza-se por um espaço do coletivo e isto é uma qualidade e não um problema. Quando dizemos que há um olhar para os indivíduos, estamos reforçando a ideia de que é possível reconhecer os percursos individuais e que há possibilidades de intervenções que favoreçam as aprendizagens de cada um/a dos/as estudantes/crianças.

Neste sentido, os desafios se assemelham tanto numa sala com crianças de mesma faixa etária, como com crianças de idades diferentes. Olhar para as necessidades educativas de cada sujeito é um desafio constante e necessário para todo e qualquer projeto de ensino.

Segundo seus argumentos, a interação entre diferentes faixas etárias acaba auxiliando na construção de conhecimento. No caso tanto da prática como teórica, como a socialização atua como beneficiadora nesse processo?

A interação entre as crianças contribui muito aos processos de ensino e aprendizagem. No convívio entre as diferentes idades, as crianças experimentam diferentes papeis. As mais velhas atuam como modelos e com isso podem passar a se preocupar com o modo como se relacionam e ensinam às demais. Ainda aprendem aspectos fundamentais, relacionados ao modo como devem se relacionar com as demais, desenvolvem maior clareza da importância do cuidado e do zelo com as menores e atenção ao bem-estar, aspectos que infelizmente, não costumam ser tomados como conteúdos necessários ao trabalho educativo.

Com a proximidade das eleições, quais são suas previsões para a melhoria que poderá ocorrer na educação do Brasil?

A depender do resultado das eleições podemos caminhar para uma melhoria, ou para um grande retrocesso em termos educacionais. É fundamental que os diferentes governos estabeleçam um plano de Educação que seja perene, que trace metas a longo prazo e busque erradicar o analfabetismo e déficits de aprendizagens em matemática e ciências.

Apesar do benefício do agrupamento multietário e da socialização na alfabetização, muitos pais ainda optam pela modalidade do homeschooling. Qual a sua opinião sobre esse sistema e quais podem ser as consequências para o futuro dessas crianças?

Do meu ponto de vista, os argumentos favoráveis ao homeschooling são falaciosos. Dizem que protegem as crianças, mas ao minar a possibilidade de convívio com os demais, acabam não instrumentalizando-as a lidar com a diversidade e isto interfere em aspectos significativos de sua socialização. A educação em casa, se muito, abrange apenas os conteúdos curriculares, mas o ambiente educativo escolar é muito mais amplo, diverso e complexo do que o ensino de disciplinas.

Para além dos impactos futuros, temos que considerar que o presente dessas crianças acaba ficando limitado ao ambiente doméstico, fazendo com que elas tenham que corresponder a grandes expectativas de seus familiares e aos modos de compreender e aprender que são limitados e constantes. No convívio escolar, além de colegas, as crianças convivem com professores/as, funcionários/as, familiares de colegas e este convívio proporciona contato com formas diferentes de compreender e lidar com os conhecimentos e complexidade do mundo.

Alguns profissionais da educação costumam falar que o processo de se educar uma criança no Brasil é extremamente desafiador. Sendo assim por que é tão difícil esse processo de alfabetizar uma criança?

A Educação é um processo complexo e permeado por múltiplos fatores. Para além dos conteúdos em si, há aspectos cognitivos, sociais, emocionais, sinestésicos e físicos que perpassam as possibilidades de ensino e aprendizagem.

Não é possível compreender a alfabetização apenas como a instrumentalização das crianças em relação à leitura e à escrita. Alfabetização é um processo amplo, que inicia desde os primeiros contatos que o individuo tem com o ambiente letrado, até o final de sua vida.

Ao considerarmos a alfabetização deste modo ampliado, podemos buscar maneiras de garantir que as crianças, para que além de decodificar o código escrito, possam compreender mais e mais a complexidade da comunicação.

A respeito da infância, essa fase costuma ser muito marcada também pela sua heterogeneidade e suas experiências acabam refletindo por toda vida. Quais são as principais consequências que a qualidade das vivências da infância consegue influenciar na vida adulta? Como o brincar e o estudo conseguem fazer o que nós somos hoje?

Como educadores/as, temos que sempre lembrar que o tempo da infância é limitado. Só pensamos, agimos, compreendemos o mundo, interagimos como crianças enquanto somos crianças. Partindo deste pressuposto, devemos lembrar que o brincar é constituinte do modo de ser e estar no mundo, é linguagem, é compreensão e expressão. Quanto mais oportunidades uma criança tem de brincar, mais possibilidade terá de estabelecer relações, de resolver problemas e atuar no mundo de forma singular e criativa. Certamente, as experiências serão enriquecidas e contribuirão para que na vida adulta se disponibilizem mais a buscar formas de resolver os problemas que surgirem.

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Com Luca Moreira, Letícia Cleto e Affonso Tavares

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