Premiado autor Jacques Fux revive memórias marcante do holocausto em “Herança”

A herança transgeracional tem sido estudada há centenas de anos. Em seu trabalho com histéricos, Jean-Martin Charcot (1825-1893) acreditava que os distúrbios neuróticos eram hereditários. Freud (1856-1939), por sua vez, chegou à conclusão de que tanto na pessoa quanto no grupo as impressões do passado permanecem na forma de vestígios mnemônicos inconscientes, frutos de conteúdos reprimidos. Recentemente, a epigenética se concentrou na possibilidade de que a herança psicológica resulta da maneira como a história de vida de uma pessoa muda a maneira como seu DNA é lido pelas células.

Nesta última edição da Editora Maralto, “Herança”, do premiado autor mineiro Jacques Fux, os traumas do Holocausto são relembrados e remarcados através dos relatos de três gerações de mulheres. Usando fontes como diários e sessões de terapia, Fux mergulha o leitor nos eventos de Auschwitz e oferece um relato comovente da universalidade das questões e ansiedades que acompanham a humanidade.

“Herança” conta a história a três vozes de uma família: Sarah K., nascida em Łódź, na Polónia, em 1926; Clara K., nascida em São Paulo em 1949; e Loly K., nascida em Recife, em 1984. Três gerações que compartilham suas experiências com o nazismo. Ao conhecer o diário de Sarah, o leitor vai compartilhar a descoberta do amor e ao mesmo tempo presenciar o terror da vida no gueto e o extermínio dos judeus. A partir de Clara, filha de Sarah, será possível descobrir temas enraizados em suas psicanálises. Lola, neta de Sarah, filha de Clara – e mãe de Luiza – escreve notas sobre o que vai descobrindo aos poucos sobre sua família e leva sua vida por essa lente. Confira a entrevista!

Lançado recentemente no circuito literário, “Herança”, é uma daquelas obras que nos faz pensarmos no que a nossa espécie já foi capaz de fazer, nesse caso, em termos de crueldade, que foi o holocausto. Escrever sobre um tema tão delicado como esse, é um desafio?

Sim. É sempre um desafio tratar da questão do Holocausto (Shoah) de uma forma séria e criteriosa. Todas as referências que aparecem no livro são históricas, documentadas e de fontes consagradas.

Há centenas de anos, vários estudiosos como Jean-Martin Charcot (1825-1893) e Freud (1856-1939), buscaram estudar a nossa herança transgeracional, cada um com suas respectivas visões. Como foi sua conexão com esses estudos e quanto trabalho teve até que “Herança” fosse concluída?

Fiz meu pós-doutorado na Universidade de Harvard tratando da questão do testemunho – o relato dos sobreviventes de eventos extremos (ditadura, genocídios, holocausto). Me aprofundei na questão da Shoah e nas especificidades de cada uma das gerações: a dos sobreviventes, a dos filhos dos sobreviventes e dos netos dos sobreviventes. Então, no meu livro, as personagens representam essas gerações – o trauma de cada uma delas e o trauma passado de uma geração para a outra.

Centralizado na rede de campos de concentração Auschwitz, localizados no sul da Polônia, operados pelo Terceiro Reich e colaboracionistas nas áreas polonesas anexadas pela Alemanha Nazista. O que o fez focar nesse campo de concentração?

Na verdade, trabalhei com o Gueto de Lódz. O Gueto de Lódz não é tão conhecido como o Gueto de Varsóvia – que teve o levante e inúmeras narrativas. Foquei a pesquisa nesse local estudando o que se passou por lá e em diários e escritos de pessoas (sobreviventes ou não) que descreveram o que foi acontecendo gradualmente por lá ao longo do domínio nazista. Há uma figura controversa que trago para o livro: o Chaim Rumkowski, líder judeu desse Gueto e que negociava com os nazistas. Discuto um pouco acerca da questão do “mal” – tema tratado também por Primo Levi em relação ao Chaim.

Em relação a sua apuração para esse livro, você utilizou diários, registros e inclusive relatos de sessões de terapia. O livro mostra o trauma de forma que se não for bem trabalhado, ele pode acabar sendo passado de geração em geração. O quão grande é o impacto que esse episódio deixou na cabeça dos sobreviventes e como essa época cinza do mundo ficou marcada pelas famílias descendentes?

Ao estudar as gerações dos filhos e netos do Holocausto, percebemos como elas são marcadas e aterrorizadas. Há uma passagem do trauma, ainda que silencioso. É preciso falar, conversar, elaborar, perlaborar para poder superar ou, ao menos, continuar a caminhar, depois de um evento limite.

Jacques Fux (Foto: Divulgação)

Qual foi o processo de pesquisa que você utilizou para acessar os diários das crianças que estiveram em campos de concentração e extermínio e como você lidou com a carga emocional desses relatos durante a escrita do livro?

Foi um longo processo de pesquisa, de leitura de muitos diários e testemunhos e do estudo de vários artigos sobre o trauma geracional. Mas eu quis transformar tudo isso num romance bonito, delicado, sensível e disponível para todos os leitores.

Você já recebeu algum feedback de leitores que foram impactados pelo livro? Se sim, pode compartilhar alguma dessas experiências?

Sim. Vários filhos de sobreviventes me disseram que relatei a história deles e suas “sessões de análise”. Que eles se encontraram nas páginas desse livro. É muito importante ouvir esses relatos.

Falando um pouco mais sobre você. O senhor cursou na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, graduou em matemática, mestre em computação e tem doutorado em literatura comparada pela UFMG e pela universidade francesa Université de Lille. O que o motivou a transitar por tantos campos de estudo e como desenvolveu interesse pela literatura?

A vontade de aprender e de ser escritor! Um escritor tem que abraçar, acredito, todas as áreas do conhecimento. Ele tem que ter a vontade e versatilidade de ser e se tornar muitos. É o que gosto.

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*Com Luca Moreira

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